O trabalho invisível de fazer um festival existir
- Pinote Produções

- 4 de set.
- 3 min de leitura

Por trás de uma noite de música no palco, existe quase um ano de trabalho silencioso. Esse é o caso do Festival Ponto de Ebulição, que realiza sua segunda edição no dia 27 de setembro, em Natal. Enquanto o público se prepara para uma travessia sonora entre jazz, samba e house — gêneros nascidos em comunidades negras e reinterpretados por artistas locais — a engrenagem que sustenta o evento já funciona há meses.
Uma noite, 365 dias
A dinâmica é conhecida por quem circula na produção cultural: festivais não se resumem ao espetáculo final. Eles são fruto de uma arquitetura burocrática, criativa e coletiva que começa muito antes da primeira nota ecoar. No caso do Ponto de Ebulição, tudo se inicia na inscrição em leis de incentivo, como o Programa Djalma Maranhão, mecanismo municipal de renúncia fiscal que viabiliza a execução. Dali, seguem-se etapas longas de captação, formalização, contratos, reuniões e aprovações.
Enquanto isso, a equipe da Pinote Produções estrutura a comunicação visual, desenha a identidade gráfica da edição e inicia um processo curatorial que não se limita a selecionar artistas, mas a pensar em como cada show dialoga com o outro, criando um percurso. Em 2025, essa decisão foi traduzida na ideia de uma “travessia sonora” em três atos.
O trabalho da curadoria
Nos bastidores, a curadoria é talvez o núcleo mais delicado de um festival. Trata-se de uma prática que exige mais do que pesquisa: envolve intenção, contexto, coerência narrativa e impacto com sentido. No Ponto, cada show é inédito, criado especialmente para o festival. Isso significa muitas conversas com artistas, ajustes de repertório, decisões sobre estética e conceito. O público verá, em uma noite, a síntese de negociações e experimentos que duraram semanas ou meses.
Esse cuidado responde a uma crítica mais ampla ao modelo contemporâneo dos grandes festivais de marca, onde ativações comerciais muitas vezes ofuscam a música. O Ponto de Ebulição nasce, justamente, como reação a esse excesso de ruído: um espaço que coloca a música de volta no centro da experiência.
Bastidores que também importam
Produzir um festival também é lidar com camadas menos visíveis: logística, contratos, detalhamentos técnicos, negociações com fornecedores, administração legal, alinhamento entre dezenas de profissionais. A ficha técnica de 2025 soma quase 30 pessoas em funções específicas, com uma característica notável: a maioria dos cargos estratégicos e criativos é ocupada por mulheres.
Além disso, há a dimensão social. O Ponto mantém parceria com a OSC Manas na Rua, que há mais de dez anos atua em Natal junto a mulheres em situação de rua. Durante o festival, o público é convidado a doar itens de higiene pessoal, um gesto voluntário que transforma o acesso gratuito em oportunidade de solidariedade.
O impacto simbólico
Ainda pequeno em porte — em sua primeira edição foram dois dias, em 2025 será apenas um — o festival entende que seu impacto mais relevante é simbólico. Num cenário de cortes de recursos e precarização do setor cultural, insistir em realizar um festival é um gesto político. É dizer que a cidade merece espaços de escuta atenta, que artistas locais merecem condições dignas de trabalho e que o público pode ter acesso gratuito a uma programação de qualidade.
O Ponto de Ebulição não compete com os grandes festivais nacionais. Ele afirma outra lógica: menos dispersão, mais atenção. Menos excesso de estímulos, mais foco no palco. Talvez seja esse o seu maior diferencial — e também sua maior contribuição para a cena cultural potiguar.
Serviço
Festival Ponto de Ebulição – 2ª edição
Teatro Riachuelo – Natal/RN
27 de setembro de 2025 (sábado)
18h às 23h
Entrada gratuita (ingressos via plataforma Uhuu)
Doação voluntária de itens de higiene para mulheres em situação de rua
Acompanhe no Instagram: @pontodebulicao
*Foto: Cynthia Campos






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